Em “Outros Eus”, compositor carioca flerta com múltiplas referências estilísticas em suas obras, de Cruz e Souza, Arthur Rimbaud e Paul Valéry a Nietzsche e os surrealistas Breton, Buñel e Dali
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Nome de ressonância no circuito da música de câmara carioca – suas obras já foram apresentadas em edições da Bienal de Música Brasileira Contemporâneaos, dos “Panoramas da Música Brasileira Atual” (UFRJ) e no Festival Música Nova Gilberto Mendes, além de executadas em diversos outros festivais por intérpretes de prestígio, como Duo Santoro, Quinteto Lorenzo Fernandez, Madrigal Contemporâneo, Fabio Adour e Pauxy Gentil Nunes, dentre muitos outros – Rodrigo Marconi investe novamente em suas composições, revelando-se e desdobrando-se em muitos “eus”, em facetas múltiplas que compõem seu novo álbum “Outros Eus”, que chega agora em julho em todas as plataformas de streaming.
O que leva um artista criar? Qual o seu estímulo? Para quê criar? Para quem? Será que a frase do poeta Ferreira Gullar, “A arte existe porque a vida não basta”, contempla todas essas questões? Seriam as diversas formas de arte uma necessidade humana de se comunicar e de se expressar? De colocar – ou criar – diferentes mundos no mundo? Nesse processo criativo, Rodrigo Marconi se conecta profundamente com que há de mais íntimo, deixando uma parte de si imortalizada em sua obra. Em OUTROS EUS, essas partes ganham vida quando amigos e renomados instrumentistas materializam a partitura em sons. O ciclo se fecha quando esses sons vão ao encontro do ouvinte, que também cria suas interpretações e leituras fazendo desses OUTROS EUS um pouco SEUS.
Assim, no álbum OUTROS EUS, o compositor Rodrigo Marconi apresenta uma amálgama formada por elementos diversos e díspares, salpicando referências impregnadas de diálogos que ultrapassam os limites do espaço-tempo, encontros que só a arte é capaz de promover. A produção poética de Cruz e Souza na faixa de abertura O Assinalado, e Arthur Rimbaud, na composição Canção da Mais Alta Torre, as leituras de mundo de Paul Valéry na obra Para os Olhos… a Nuca é um Mistério!, os artistas surrealistas como André Breton, Luis Buñuel e Salvador Dali em O Lado Mágico das Coisas, as reflexões de Nietzsche sobre as tragédias gregas com a obra Apolo e Dionísio no Templo das Musas, as conversas semanais com a flautista Odette Ernest Dias em Eram Dias Grávidos de Sons e Poesia, a criação estética dos compositores da Segunda Escola de Viena representada em Os Três Rapazes de Viena e as outras formas de expressão artística como a fotografia, na última faixa do álbum, Polaroids atravessam e nutrem a gestação das composições apresentadas.
“No processo de criação, o que há de mais íntimo do artista se aflora e se desvenda aos olhos e ouvidos do público, como se a sua obra fosse um reflexo de si. Nesses OUTROS EUS é onde me faço linguagem. É também a forma que eu encontrei de resistir e de re-existir”, revela o autor.
SOBRE O COMPOSITOR:
Bacharel em composição musical pela Universidade Estácio de Sá (UNESA) – onde teve a oportunidade de ser orientado pelos compositores Guilherme Bauer, João Guilherme Ripper e Tato Taborda – o compositor Rodrigo Marconi é licenciado em Educação Artística com habilitação em Música pelo Conservatório Brasileiro de Música (CBM-CEU) e mestre em Musicologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) com a pesquisa “Tradição e Vanguarda nos Arranjos de Rogério Duprat para a Tropicália”. Estudou composição com Achille Picchi no “IV Festival Música das Esferas – Festival Internacional de Bragança Paulista” em 2011.
Suas obras foram tocadas em importantes festivais como a XVIII, XXII e XXIII ´Bienais de Música Brasileira Contemporânea’, 57º Festival Música Nova Gilberto Mendes, os ‘Panoramas da Música Brasileira Atual’ (UFRJ), o ‘Festival Babel’ (Porto Alegre), nas séries ‘MUSIMAC’ (USP), ‘CBM Experimental’, ‘Festival Compositores de Hoje’, “Série Tendências” (UFRJ) ‘Série Compositores’ (UNI-RIO) entre outras por grupos como Quinteto Lorenzo Fernandez, Pan Ensemble, Quinteto Pierrot, Duo Adour, Madrigal Contemporâneo, Duo Santoro, Ensemble de Guitarras de Quito, Duo Traverso e por instrumentistas como Fabio Adour, Achille Picchi, Paulo Passos, Joaquim Abreu, Geisa Felipe, Ariane Petri, Ronal Silveira, Antônio Eduardo Santos, Pauxy Gentil Nunes.
Em 2018, lança seu primeiro CD, “Correspondências” com parte de sua produção composicional. Atualmente, é professor de música e diretor da Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna.
Ouvir o álbum “OUTROS EUS” – Rodrigo Marconi
https://tratore.ffm.to/outroseus
Faixa a faixa pelo autor
1. ASSINALADO
Soprano: Tânia Moura
Piano: Felipe Naim
Essa canção faz parte das minhas primeiras incursões no mundo da composição. Ela é composta – e depois revista – logo depois de um pequeno trio para flauta, clarinete e fagote. O ponto de partida – e acredito que essa seja a motivação de todo compositor que escreve canções – é a força poética das palavras. Cruz e Sousa, poeta negro catarinense, conhecido como o Poeta do Desterro (hoje Florianópolis, capital de Santa Catarina) é um dos principais representantes do simbolismo brasileiro.
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2. ERAM DIAS GRÁVIDOS DE SONS E POESIAS
Flauta: Geisa Felipe
Durante quase dez anos trabalhei como professor de matérias relacionadas à composição musical na graduação do Conservatório Brasileiro de Música. As quintas feiras eram tomadas por aulas, planejamento, orientações e atendimento aos alunos. Na sala ao lado à minha, dando aulas de flauta, a lendária flautista franco-brasileira Odette Ernest Dias. Tínhamos sempre um momento para o café onde a música era geralmente o tema principal. Ela me contava sobre as curiosidades da música brasileira (tanto a popular como a de concerto) e de sua brilhante atuação em gravações e concertos. Essa obra, Odette viu nascer – pois mostrava toda semana um pedacinho para ela – e aqui foi gravada por uma de suas alunas: a grande flautista Geisa Felipe.
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3. APOLO E DIONÍSIO NO TEMPLO DAS MUSAS
Vibrafone: Carlos dos Santos
Esses dois deuses da mitologia grega, Apolo e Dionísio, tão contrastantes entre si (Apolo é racional, é o Deus da Beleza e da ordem, das artes figurativas; já Dionísio é emotivo, é Deus do vinho, da música, das festas…) foi o ponto de partida dessa composição executada brilhantemente pelo percussionista Carlos dos Santos. Este Impulso dos opostos e o conflito dos contrários, entre a ordem e a desordem e o seu equilíbrio é estabelecido, segundo Nietzsche, no Nascimento da Tragédia.
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4. CANÇÃO DA MAIS ALTA TORRE (2020)
Violoncelos: Ricardo Santoro e Paulo Santoro (Duo Santoro)
Escrita durante a pandemia de 2020 para os queridos amigos do Duo Santoro, “Canção da Mais Alta Torre” é uma homenagem ao poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891). Possuidor de uma alma inquieta, o poeta exerceu grande influência na poesia do Século XX. Com uma vida conturbada e rebelde, chegou a se envolver com tráfico de armas no norte da África. Nessa composição tento desenvolver esses dois lados de Rimbaud: a poética e a pessoal. Como bem escreveu o poeta brasileiro Chacal em seu “poema para Rimbaud”:
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5. OS TRÊS RAPAZES DE VIENA
Violão de 8 cordas: Fábio Adour
Todos conhecem os ‘quatro rapazes de Liverpool’ que fizeram um sucesso estrondoso nos anos de 1960. John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, formavam os Beatles, uma banda de rock britânica de imensa popularidade mundial. Mas poucos conhecem os três rapazes de Viena: Arnold Schoenberg (1874-1951) e seus discípulos Anton Webern (1883-1945) e Alban Berg (1885- 1935) que contribuíram de forma significativa para a música de concerto no século XX. Nessa obra para violão de 8 cordas tocada magistralmente por Fabio Adour, cada um desses compositores é reverenciado com um movimento onde tento, além de fazer uma singela homenagem, reviver o espírito dessa escola.
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6. O LADO MÁGICO DAS COISAS
Flauta: Geisa Felipe
Fagote: Ariane Petri
Há exatos 100 anos, em 1924, André Breton (1896-1970) lança o Manifesto Surrealista. Os surrealistas preconizavam a exploração do Inconsciente, as narrativas dos sonhos, o estado hipnótico, a magia, o ocultismo, a alquimia… enfim, a emancipação do homem em relação a lógica e a razão. Esse movimento teve adesão de nomes como Luiz Buñuel, o pintor Salvador Dali, o dadaista Tristan Tzara entre muitos outros. E foi também o ponto de partida para a criação dessa obra escrita para as exímias musicistas Geisa Felipe (flauta) e Ariane Petri (fagote).
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7. POLAROIDS
Piano: Antônio Eduardo
Essa obra, escrita para piano solo e executada nessa gravação pelo fantástico pianista Antônio Eduardo, são três instantes sonoros. Como uma Polaroid, os três movimentos apresentados, partem dessa forma específica de congelar o instante, onde a imagem, produzidas com simplicidade, nos é revelada rapidamente gerando uma cópia única e original (pois não tinham negativo) e que, naturalmente e inevitavelmente é desmaterializada no decorrer do tempo. E nessa efemeridade da matéria, o que fica é só memória…
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8. PARA OS OLHOS… A NUCA É UM MISTÉRIO!
Clarinete: Moisés dos Santos
Violoncelo: Nayara Tamarozi
O título dessa composição é um aforismo atribuído ao poeta, ensaísta e filósofo francês Paul Valéry (1871 – 1945) mas bem que podia ser uma frase feita do nosso folclore, que possivelmente viria acompanhado da frase: – Como minha vó dizia… Essa composição tenta estabelecer um diálogo de uma frase de um poeta representativo do Simbolismo francês, com interesses diversos como arte, filosofia, história, música e a sabedoria da nossa cultura popular.
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-Cezanne Comunicação-
Rodrigo Marconi – Foto de Capa: Landscape