“Brasileiro tem memória curta para política”.
“Nunca se lembra em quem votou”.
“Os candidatos esquecem das promessas que fizeram”
Quem nunca ouviu frases assim, que atire a primeira pedra. A propósito, você lembra a última vez que brincou de tacar pedras? Pois é… São curiosos os caminhos da memória e podemos tirar valiosas lições a respeito de seu funcionamento. Por exemplo, em tempos de debates acalorados, nos quais os candidatos se acusam de terem memória curta e de se esquecerem “do que fizeram no verão passado”, não custa lembrar o funcionamento básico dos nossos mecanismos de memória.
A memória visual de um ser humano pode registrar cerca de 860 mil imagens todos os dias, 400 mil sons e mais de um milhão de sabores, odores e sensações táteis. Diante de um poder tão grande de retenção na memória, não faria sentido os candidatos carregarem uma pasta cheia de folhas e anotações para usar nos debates.
Quando falamos na memória do eleitor, é de causar estranheza ver pessoas levando suas memórias artificiais para a urna de votação para conseguir lembrar míseros números de dois a cinco dígitos de seus candidatos. Afinal, o que está acontecendo com a nossa memória? Será que estamos vivendo os efeitos da COVID 19, já que os relatos de lapsos de memória por parte de quem contraiu a doença têm aumentado consideravelmente? É possível que a afirmação popular de que brasileiro tem memória curta para política realmente se sustenta?
A melhor resposta para esta pergunta é, depende. Faz 25 anos que escrevo livros, artigos, pesquiso e dou palestras sobre o tema memória. Neste período, já atravessei diversas eleições e sempre trago à tona, no período eleitoral, a discussão sobre memória curta para os assuntos da política. Qual foi o candidato a deputado que você votou na última eleição? Qual era o partido político e o número de votação dele? Quais eram as propostas que ele apresentou para te convencer?
Deparados com essas perguntas, a maioria esmagadora dos eleitores não conseguia se lembrar, ou seja, admitia que no assunto política, tinha a memória curta. Mas, afinal, como gravamos as informações na memória? Por que o tema “política” geralmente cai na “caixa de spam” ou na “lixeira cerebral”?
Muito bem, e onde a política entra nesse processo? A lógica é bem simples: o tema política causa dor? Resposta: não! Nos enche de prazer e vontade de ficar falando a respeito? Resposta: também, não! Nesse caso, por não atender aos critérios básicos de memorização, o tema política e tudo que o envolve, como o nome dos candidatos, nome de partido, número e demais detalhes vão parar na lixeira da memória.
Pergunte a um eleitor se ele se lembra o nome e número dos candidatos que votou na última eleição, e você facilmente irá constatar o fenômeno da memória curta. A boa notícia é que percebo uma mudança de comportamento na população. A memória curta para a política está começando a se transformar em memória forte, de longa duração. O fato é que o jeito dos políticos se apresentarem, as plataformas de comunicação e especialmente a narrativa criada estão impactando a memória das pessoas e imprimindo com mais força as experiências.
Em primeiro lugar, temos uma polarização em que o perfil, a história, o temperamento, o comportamento dos políticos e as ideias que defendem estão ativando nas pessoas estados mentais de euforia, esperança, ódio, medo, ansiedade, indignação, entre outros, ou seja, mecanismos equivalentes aos que são ativados nos cérebros dos torcedores de times de futebol, que consegue lembrar “de cabeça” o nome, sobrenome, idade, nascimento, trajetória dos seus jogadores favoritos e nem precisou de papelzinho para anotar.
Tais estados mentais emocionais por si só já ativam mecanismos de memória de longa duração. Outro ponto importante é que o período pré-eleitoral está se tornando, não sei dizer se de forma deliberada ou não, um roteiro de novela recheado de reviravolta e descobertas bizarras da vida de seus atores políticos. E acompanhar o desenrolar dessas reviravoltas nos dá a impressão de que estamos assistindo a uma novela o que, mais uma vez, ativa nossos mecanismos mnemônicos e afastam o fantasma da memória curta.
Por último, nosso neocórtex é ativado e nos faz ficar preocupados com o futuro, tentando imaginar como será nosso país se este ou aquele político ganhar as eleições. Ao ativar nossas áreas nobres de processamento cerebral, automaticamente forçamos a criação de novas conexões neuronais e a retenção dessas memórias. E se, como eleitores, continuarmos utilizando esses mecanismos ao pensarmos em eleições, não será difícil imaginar a quantidade de detalhes que guardaremos a respeito dos candidatos.
Nesse dia, os políticos atuais receberão em nossa memória a mesma posição de Pelé, Neymar e Ronaldo, mas por enquanto continuemos com as “colinhas” e números escritos na mão para amenizar o problema da memória curta.
Renato Alves é pesquisador cognitivo e principal autor brasileiro nas áreas de aprendizagem, concentração e memória com 9 livros publicados, dentre eles O Cérebro com Foco e Disciplina; Os 10 Hábitos da Memorização; Faça seu Cérebro Trabalhar para Você, todos eles figurando nas listas dos mais vendidos do Brasil. É fundador da Memory Academy instituição que tem por objetivo ajudar pessoas com déficit de aprendizagem, foco, memória e concentração e, desde a fundação, já atendeu mais de 120 mil pessoas. Para mais informações, acesse https://renatoalves.com.br/
-Carolina Lara Comunicação-
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