Com quase 20 anos de uma carreira consolidada por parcerias de sucesso, o cantor e compositor Renato Frazão lança seu primeiro álbum solo, Quarto Mundo.
O álbum propõe uma reflexão sobre o Brasil, sua cultura, história e seu povo. Ao longo de suas 7 faixas explora temas como memória, imaginação, a Terra, o passado e futuro da humanidade.
Quarto Mundo tem participação especial de Xangai, Quarteto Maogani e Ilessi e está disponível em todas as plataformas digitais.
Quarto Mundo
O álbum Quarto Mundo passeia por um repertório intimamente ligado às tradições da música popular brasileira, com especial destaque aos gêneros nordestinos. A música “Saudação”, que abre o disco, em dueto com Xangai, é uma carta de intenções, celebrando os grandes mestres nordestinos que são parte fundamental da formação musical de Frazão.
O repertório que se segue é um passeio pelo tempo dilatado – seja por caminhos remotos como em “Galope à Deriva”, que nos transporta para dentro do oceano durante as navegações portuguesas, seja pelo tempo presente ao tentar adivinhar o futuro pós-pandêmico em “O Dia de Amanhã”.
E assim o álbum vai se costurando sob a sombra de um “Quarto Mundo” dialético ainda em formação, se reconhecendo no passado para mirar no futuro.
“A Roça de Teresa”, feita a partir do depoimento de Maria Teresa Bento da Silva, filha de escravizados, dá voz a um Brasil marginalizado e ancestral que nos constitui, enquanto “Os Velhos” festeja a fronteira tênue que separa memória e invenção.
“Terraplanta”, provocada pelo pensamento selvagem de Ailton Krenak, apontando a urgência de nos reintegrarmos com a Terra, ao mesmo tempo testemunha e personagem ativa de todas as histórias tecidas com a linha do tempo.
QUARTO MUNDO de Renato Frazão
por Hugo Sukman
Não é de se estranhar que logo nos primeiros versos de “Saudação”, baião tão simples como épico que abre este seu primeiro disco solo, o cantor e compositor Renato Frazão peça “licença”. E que use a palavra “chegança”, a mesma que, por exemplo, Edu Lobo lançou mão quando se apresentou ao público, 60 anos atrás. Questão de linhagem, não de pretensão. De modéstia orgulhosa diante da imensa tradição que o antecede, por isso a licença aos grandes do Nordeste, sim, “Capiba, Sivuca”, mas também a “Xangai, o Quinteto Armorial”. Se celebra os astros pop “Elba, Geraldo, Alceu, de norte a sul, Dominguinhos”, também canta “Jessier e Vital”. E Ary Lobo, Zabé da Loca, Otacílio Batista, o Pessoal do Ceará, na mesma medida de João Cabral, Rosa e Gonzaga. É que, como disse Chico Buarque do Gilberto Gil inicial, podemos repetir sobre Frazão: “é difícil separar o baião de seu peito, visto que dançam tão juntos”. “Cego Aderaldo vendo a luz no breu/É o Nordeste no peito meu”, corrobora Frazão em “Saudação”.
Me perdoem o excesso de referências, mas é que embora já tenha estrada longa – “E que seja essa trova estrada boa para os pés”, canta, a propósito, também em “Saudação” – Renato Frazão é essencialmente um compositor, logo, uma figura até aqui de bastidores. É preciso, portanto, apresentá-lo. E este seu primeiro álbum, “Quarto mundo”, é isso antes de tudo, uma apresentação.
Para quem não une o nome à pessoa, Frazão é, por exemplo, autor de “Bendegó”, uma das canções brasileiras mais importantes dos últimos tempos, que escreveu com a pianista Claudia Castelo Branco e foi lançada nos anos da pandemia pela cantora e violonista Luísa Lacerda, tendo como inspiração para traduzir o Brasil contemporâneo o trágico incêndio do Museu Nacional e sua sobrevivência (como a do país), simbolizada na “pedra que caiu do céu” em chamas no sertão de Bendegó e que sobreviveu mais uma vez ao fogo.
Com 300 composições no currículo e 60 já gravadas, letrista extraordinário e muito bom cantor e violonista – em “Quarto Mundo”, por questão de excelência chamou outro violonista para tocar, o virtuose André Siqueira, mas todos os violões, me disse o próprio Siqueira, são criados por Frazão, inseparáveis da composição – Renato Frazão é oriundo do Coletivo Chama, de compositores da cena carioca. E, para ficar numa comparação (como sempre) imprecisa, mas algo reveladora, se daquele grupo um Thiago Amud fila-se mais à vanguarda de um Caetano, um Guinga, e à inspiração digamos dionisíaca, Frazão prossegue a tradição mais apolínea da canção brasileira, dos gêneros brasileiros, sem deixar de ser igualmente contemporâneo em forma e conteúdo.
Com ares de obra-prima, a moda de viola “Quarto mundo”, que dá título ao álbum, representa bem essa relação contemporânea com a tradição. Escrita com o violonista, e neste caso violeiro, Diogo Sili (da atual formação do Quarteto Maogani), a música conceitua o disco – e talvez a obra de Frazão – tanto no conteúdo como na forma. Aí, também na coincidência do Gil inicial, o autor define-se como “mensageiro viramundo”, e diz de quem está do lado: “Falo a língua do universo/Farsi, criolo, quimbundo/Celta, sertanez e persa”. Assume-se em versos que qualquer cantador de feira assinaria – “O quarto mundo é a ilha/Onde fiz minha morada/Lá compus esta setilha/Maltrapilha e mal traçada/E se não gostou, desfaz/Vou-me embora, eu quero é mais/Ver a minha namorada” – como habitante do tal quarto mundo, porque os primeiro, segundo e terceiro não deram certo, são sem rima e solução. Na forma, o arranjo do parceiro Diogo Sili também de certa forma traduz o espírito da música de Frazão: é uma moda de viola, sim, tradicional mas com, literalmente, toques modernos do piano de Antonio Guerra, viola e piano, o jeito da tradição ser contemporânea e fazer jus mais do que à letra, ao rigoroso universo musical, poético e político proposto pelo compositor.
Autor prolífico, com a obra espalhada em discos coletivos como “Todo mundo é bom” (do Coletivo Chama) e em parceria como “Um sussurro na algazarra” (de 2018, com o próprio Diogo Sili) e “Cantiga do breu” (de 2019, com Luísa Lacerda), Frazão teve a sabedoria de em seu primeiro álbum solo ser sucinto – são apenas sete canções – e talvez por isso tão preciso. É tudo muito direto, muito forte, cada canção e a relação entre elas.
Se já no baião “Saudação” ele pede licença, apresenta suas credenciais e situa sua música na tradição brasileira de influência nordestina – e conta com a participação de ninguém menos do que o próprio Xangai, abençoando-o com sua voz – em seguida Frazão apresenta a essência mesmo de “Quarto mundo”, uma reflexão musical sobre o Brasil, o passado e o futuro. Com sotaque lusitano, o “Galope à deriva” singra o Atlântico na melhor tradição de um “Fado tropical” ou “Os argonautas”, contando de forma épica – sem evitar belezas e violências – a história da invasão portuguesa no Brasil, o país transmutando-se no navio que nele aportou, “Brasil, bela nau, caravela à deriva/Cantando galope no meio do mar”. Arrepiante.
Como arrepiante é a voz de Ilessi como que encarnando Maria Teresa Bento da Silva, autora de texto-depoimento de uma negra livre, filha de escravizada, que serve de base para a “A roça de Tereza”, a mesma história épica contada em “Galope à deriva”, só que agora do ponto de vista negro – a melodia linda e moderna de Frazão (e com arranjo grandioso de Pedro Araújo, com direito a cordas e percussão) modestamente a serviço da narrativa e das vozes negras, Maria Tereza e Ilessi, uma beleza contemporânea, de versos duros e importantíssimos sobre a conquista de direitos: “Eu era Ventre Livre/Queriam me bater, eu disse não!/Eu sou forra! Eu sou ventre livre!/Eu sou forra! Sou escrava não!”.
Completando uma espécie de trilogia da formação brasileira, “Terra planta” assume um formato de mantra nordestino para se aproximar da cosmogonia e da visão dos povos originários, a partir das ideias e provocações do escritor Ailton Krenak, mas versos bem de Frazão e de canção popular: “A terra não é plana/A terra é planta/A terra não é plano/A terra canta/A terra não é pranto/A terra é tanta”.
Depois de contar a história do Brasil de forma épica, como se fosse o seu oposto, mas na verdade seu complemento conceitual, a list song de versos curtos, inquisitivos e melodia cativante, “O dia de amanhã” (em parceria com seu colega de geração Marcelo Fedrá) tenta adivinhar o futuro do Brasil: “Será o big bang? Terá Maracanã? Gente pegando trem? Terá lugar na van? Será que vai dar pé? Seja o que Deus quiser/O dia de amanhã”.
Parceria com o bandolinista Luís Barcellos, “Os velhos” é uma canção que traduz o espírito do álbum: caipira e sofisticada (com direito a arranjo do Quarteto Maogani!), conta a história ao mesmo tempo épica e íntima de quatro velhos em volta de uma mesa de bar brasileiro, em versos que definem toda essa coisa aqui, “que a memória é uma proeza/ De lembrança e de invenção”, ou “os bordados de incerteza/ Nos panos da confusão”, versos de quem sabe escrevê-los e, mais do que isso, achou sua própria linguagem.
Se é verdade que o que caracteriza a canção brasileira é sua intensa qualidade musical e poética por um lado – melodias, harmonias, diversidade rítmica e letras – e sua relevância social por outro, o cantor e compositor Renato Frazão faz, sem qualquer sombra de dúvida, parte dessa tradição. Em sete poucas faixas – ponta de lança de obra já imensa – já se percebe isso à primeira vista.
Hugo Sukman, novembro de 2023
Cantautor
Renato Frazão é cantor, compositor e produtor musical. Autor de quase 300 canções, solo ou em parceria, das quais cerca de 60 estão gravadas. Atuou em mais de 20 produções teatrais como diretor musical e compositor. Lançou, com o grupo Escambo, os discos flúor (2009) – indicado ao 21º Prêmio da Música Brasileira – e Neon (2012).
É fundador do Coletivo Chama com o qual realizou diversos projetos como o álbum “Todo Mundo É Bom”, Rádio Chama (Rádio Roquette Pinto 2011/2016) e Brazilian Explorative Music (NY, 2014).
Em 2018 lançou “Um Sussurro na Algazarra” com canções em parceria com Diogo Sili.
Em 2019, em parceria com Luisa Lacerda, lançou “Cantiga do Breu”, com participação especial da cantora Paula Santoro. Produziu e gravou o álbum “Cancioneiro do Vale das Flores”(2020), que conta com a participação de diversos cantores e instrumentistas, entre eles, Zé Renato e Claudio Nucci.
Em 2022 lançou o single “Saudação” com participação de Xangai e do poeta Aderaldo Luciano.
Faixas
Saudação – feat. Xangai (Renato Frazão)
Galope à deriva (Renato Frazão)
O dia de amanhã (Marcelo Fedrá e Renato Frazão)
Terraplanta (Renato Frazão)
Os Velhos – feat. quarteto Maogani (Luís Barcelos e Renato Frazão)
A roça de Teresa – feat. Ilessi (Renato Frazão e Maria Teresa Bento da Silva)
Quarto Mundo (Diogo Sili e Renato Frazão)
Ficha Técnica
Produção Musical – Renato Frazão
Arranjos – Diogo Sili (faixas 1, 3, 5 e 7) e Pedro Araújo (faixas 2 e 6)
Coprodução e Comunicação – Paulo Almeida
Gravação e Mixagem – Daniel Sili (Estúdio Boca do Mato)
Masterização – Steve Corrao (Sage Audio)
Direção de Arte e Escultura – July Tilie
Fotografia – Polina Malinina
Capa – Hugo Leo
O álbum está disponível em todas as plataformas digitais.
Assessoria de Imprensa: -Mais e Melhores Produções Artísticas-
Por Alexandre Aquino
Renato Frazão – Foto de Capa: Polina Malinina
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