“A leitura do mundo precede a leitura da palavra.”
Conheci essa frase de Paulo Freire na escrita do trabalho de conclusão do curso da graduação em Arte Cênica. E hoje, ao revisitar reflexões, tenho a percepção da urgência de olhar o multiletramento como uma habilidade essencial para o sucesso em muitas áreas da vida, incluindo negócios, educação e comunicação. Fazemos parte de um mundo em que as informações são acessadas em diversas mídias e, por isso, a capacidade de ler, escrever e comunicar-se de forma eficaz é fundamental. A leitura de mundo é, ao mesmo tempo, abrangente em suas possibilidades e específicas nas habilidades individuais. E é justamente nesse ponto de convergência que o multiletramento ganha visibilidade.
O multiletramento, conceito criado na década de 1990, refere-se à habilidade de ler, escrever e comunicar-se em diversas mídias e linguagens, incluindo texto, imagem, som e vídeo. Essa tem sido uma abordagem cada vez mais utilizada na educação e, recentemente, foi incorporada como habilidade importante exigida pelo ENEM, Exame Nacional do Ensino Médio, prova realizada no Brasil para avaliar o desempenho dos estudantes que querem ingressar no ensino superior.
De acordo com o Ministério da Educação (2020), a Matriz de Referência do ENEM conta com o multiletramento para o desenvolvimento de habilidades na área de linguagens, códigos e suas tecnologias, que são importantes para o século XXI. Mas, para além do ENEM, a educação básica precisa olhar com profundidade a prática educativa do multiletramento com a finalidade de preparar o estudante para o agora, com a certeza de que o amanhã se faz com mudanças imediatas e constantes no mundo globalizado.
No site do Instituto Federal de Goiás, em 2019, já se comemorava o resultado acima da média geral no Enem de estudantes que haviam participado de um projeto focado no multiletramento. Na prova de redação, os alunos do projeto obtiveram, em média, 300 pontos a mais que a média nacional.
A síndrome de Gabriela – Eu nasci assim, eu cresci assim e vou ser sempre assim – não cabe neste mundo e a educação básica precisa incorporar em suas práticas pedagógicas o olhar para as individualidades que compõem um mundo tão diverso, globalizado e conectado como o nosso. Cada estudante tem suas habilidades específicas, sua forma de ler, escrever e comunicar ideias.
Retomando a frase de Paulo Freire, entendo que a leitura do mundo, com suas especificidades e autorias, é também atrelada à cultura, à compreensão das diferentes linguagens da arte e da tecnologia. Quando falamos sobre Educação Básica, falamos do caminho percorrido da Educação Infantil ao Ensino Médio. Então, chamo a atenção de pais e educadores para a valorização das especificidades dos estudantes, percebendo quais linguagens eles utilizam para expressar e ampliar seu repertório e leitura de mundo.
Como artista e educadora, destaco a arte e o multiletramento como combinação poderosa para a educação básica no século XXI. A arte pode ser usada para desenvolver a capacidade de comunicação em um mundo em que ela é cada vez mais multimodal. Através da arte, os indivíduos podem aprender a transmitir mensagens de forma visual, auditiva e usando o seu corpo, com todas as suas potencialidades.
A arte, com suas diferentes linguagens, é uma área de conhecimento constituída por diálogo constante entre o passado, o presente e o futuro. Ao conhecer o contexto social da arte e se autoconhecer, o estudante vai em busca de comunicar as suas reflexões e escrever de uma maneira própria suas respostas ao mundo. Não é apenas por meio da arte que o multiletramento se efetiva. É preciso agregar a tecnologia, o bilinguismo e tantos outros saberes. Mas, certamente, uma das combinações mais poderosas é a junção da arte com o multiletramento.
Este texto é um convite para que a escola, o aluno e a família construam juntos uma comunicação genuína, alicerçada em seus conceitos culturais e, assim, possam preceder a leitura da palavra de maneira autoral a partir de suas verdades momentâneas.
Sobre Karla Lacerda – Educadora de formação diferenciada, diretora da Escola Progresso Bilíngue. Atua como diretora pedagógica, professora universitária, proprietária de escola de teatro e atriz. Também é a palhaça Quintina, politizada e crítica. Cursou faculdade de desenho industrial voltada ao teatro, faculdade de teatro e de pedagogia. Iniciou sua carreira de educadora aos 14 anos. Tem várias especializações em formação de professores.
-Betini Comunicação-
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