Objetos de poder, objetos de pedir proteção, objetos de pagar promessas, objetos que prometem milagres – ainda que falsos milagres. A Acadêmicos do Cubango pretende mostrar “a alma das coisas” (título de um antigo programa da Rádio Nacional e de um livro que reúne estudos de antropologia e patrimônio, organizado por José Reginaldo Gonçalves, Roberta Guimarães e Nina Bitar) no desfile de 2019. Sob o título “Igbá Cubango – a alma das coisas e a arte dos milagres”, o enredo, de autoria de Gabriel Haddad, Leonardo Bora e Vinícius Natal, propõe um diálogo com a memória da própria escola: o pentacampeonato conquistado em 1979, com o antológico samba “Afoxé” (de autoria de Heraldo Faria e João Belém, então interpretado por Elza Soares), foi dedicado ao “ídolo menino” Babalotim, objeto sagrado que ainda habita a quadra da Noronha Torrezão. As cabaças dos assentamentos, as figas, os abacaxis dos balangandãs, os amuletos indígenas, as carrancas, os ex-votos do catolicismo popular, tudo isso estará presente no carnaval da agremiação.
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“A rigor, todos esses objetos podem ser chamados de ex-votos, conforme as pesquisas que tem se debruçado sobre o tema. Inclusive o principal ex-voto, aquele que todos conhecem, é a vela. Mas sabemos que o senso comum tem uma ideia fechada do que é um ex-voto, algo preso a miniaturas, cartas, tabuletas ou esculturas de partes do corpo humano, o que nos remete às “salas dos milagres”, às romarias e à matriz católica. Por isso optamos por falar que o enredo é sobre “objetos de devoção”, coisas materiais que conectam o ser humano àquilo que ele considera sagrado e que acabam por contar a nossa própria história, abraçando também as nossas raízes afro-ameríndias”
explica Vinícius Natal, que, além de doutorando em Antropologia pela UFRJ, é gestor do Museu da Escravidão e Liberdade do Rio de Janeiro.
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Para Gabriel Haddad e Leonardo Bora, que assinarão o segundo desfile à frente da escola de Niterói, um enredo estava dentro do outro:
“A arte contemporânea brasileira vem dialogando com a estética dos ex-votos. De saída, podemos citar os nomes de Adriana Varejão, Farnese de Andrade, Efrain Almeida e Graça Góes. A obra de Arthur Bispo do Rosário, além de possuir um caráter votivo (uma obra em oferecimento a Deus), reúne elementos visuais que todo o tempo nos remetiam à estética dos ex-votos. Quando mergulhamos nas pesquisas de cultura popular e descobrimos que Mestre Vitalino esculpia ex-votos, aí o enredo começou, literalmente, a ganhar corpo. E também houve uma sequência de sonhos e sincronicidades que fizeram com que os três autores se convencessem da importância que era falar disso”
justifica Bora.
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Para Haddad, trata-se de um enredo simples e complexo ao mesmo tempo:
“É um enredo denso, fruto de muitas discussões, mas que pode parecer simples, afinal todo mundo, e no meio das escolas de samba isso é evidente, carrega o seu amuleto, a sua guia, a sua medalha, a sua fitinha. Isso nos dá a possibilidade de passear por diferentes linguagens, expandindo a linha que apresentamos no carnaval sobre o Bispo. Começa com a Cubango se vendo refletida em um espelho, cantando aquilo com que mais se identifica, que são as narrativas afro-brasileiras e os objetos mágicos que compõem esse imaginário. E termina de maneira completamente carnavalizada, com deboche e tropicalismo, numa referência à mercantilização de falsos objetos sagrados. Os cartazes de divulgação do enredo, confeccionados pelo artista Antônio Ferreira Gonzaga, resumem a nossa ideia de maneira brilhante.”
O fio condutor da narrativa e os detalhes sobre o final, que dialoga com a peça “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, serão revelados apenas na sinopse, que será entregue aos compositores no próximo dia 24 de maio, às 20 horas, na quadra da escola, localizada na Rua Noronha Torrezão, 560, Cubango – Niterói.
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