A crítica feita a si mesmo se mostra necessária e útil, o enredo da Acadêmicos do Grande Rio para o Carnaval 2019 traz a capacidade de nos determos e refletirmos sobre quem somos e sobre como agimos, sinal de maturidade. Confira abaixo a sinopse da tricolor do município de Caxias!
”Quem nunca…?
Que atire a primeira pedra!”
Fala sério aqui com a gente, “de boas”, “numa boa”, francamente: quem nunca saiu dos trilhos, perdeu o prumo, deu detalhe, rodou a baiana, chutou o balde e o pau da barraca, armou um barraco ou mesmo deu uma virada de mesa? Um deslize, uma gafezinha qualquer ou uma falta de educação das grossas mesmo? Quem nunca? Eu, você, todo mundo, pelo menos uma vez, já esqueceu etiquetas, manuais e regulamentos e atravessou o samba na passarela dessa vida.
Que atire a primeira pedra quem nunca. Ou melhor, atirar pedra, não, porque aí já é falta de educação outra vez.
Tão humano quanto o ato bíblico de atirar a primeira pedra são os nossos maus hábitos que expressam impaciência, egoísmo, descuido, intolerância, “jeitinho”… ou até falta de informação.
Furar fila, fingir estar dormindo pra não ceder o banco do ônibus pra idoso ou gestante, colar chiclete embaixo da mesa, lançar a guimba do cigarro na calçada ou aderir àquele pacote do “gatonet” chegam a ser “fichinha” perto de uma série de atitudes questionáveis. E aí cada um (do alto do seu telhado de vidro) lança aquela velha máxima: “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.
O motivo do nosso enredo é educação, só que a gente resolveu falar dela pelo viés irreverente e crítico da FALTA de educação, de coisas que fazemos que comprometem o nosso dia-a-dia, a nossa convivência e o nosso futuro.
Quem nunca lançou a latinha de refrigerante pela janela do carro, avançou o sinal vermelho, dirigiu com aquela dose de cervejinha na ideia ou acima da velocidade permitida?
Do preguiçoso que entra na via sem ligar a seta e do apressadinho que pensa que buzina é almofada até a madame ou executivo de carrão que dá “conferência” pelo celular (e não “tá nem aí” que o sinal abriu), é deseducada a vida no trânsito, camarada! Haja direção defensiva!
Nas vias das redes sociais, meio capaz de unir as pessoas aos quatro cantos do mundo, quem nunca largou o pé do freio e destilou (ou sofreu) uma indireta, um “piti”? Quem nunca testemunhou, pelo menos, xingamentos e toda sorte de discriminação (racismo, homofobia, assédio, bullying) através de postagens de quem quer impor a própria opinião e se vale do mundo movediço dos perfis virtuais? E na corrida por likes, têm aqueles que reproduzem qualquer coisa que chame a atenção, nem se dando ao trabalho de ler e de checar a informação.
No país do carnaval, de mais de duzentos milhões de carnavalescos, quem nunca saiu detonando um enredo nas redes de “amigos” sem mesmo ler a sua sinopse ou aguardar o seu desenvolvimento na Avenida?
Ainda sobre o uso das novas tecnologias, quem nunca falou alto ao celular dentro do ônibus, do trem ou da van lotada? Cá entre nós, hein, ninguém merece saber que o passageiro ao lado saiu com a mulher do vizinho noite passada ou ter que acompanhar o vídeo do “sem noção” sem fone de ouvido, não é mesmo? E haja capacidade de armazenamento do celular pra suportar tantas “fofurices” e correntinhas diárias a nos desejarem bom dia, boa noite, boa semana, boa sexta, feliz sábado… Ufa! Esses novos “brinquedinhos” deviam vir com um manualzinho de ética, fala sério!
E quem nunca se livrou daquela inofensiva sacola de lixo no rio perto de casa? Aquela sacolinha plástica que você descarta e ela ainda leva anos e anos pra se decompor. De sacolinha em sacolinha os rios “enchem o saco”! E aí é sacolinha, sacolão, tampa de privada, sofá… enchentes, transbordarmentos, desabrigados, mortos. Uma avalanche de tristeza!
Mas nem tudo é desgraça já que nossas faltas também gostam de uma farra. Nas festividades e encontros populares (nos estádios de futebol, no reveillón, no carnaval…), “ninguém é de ninguém”, e na praça, na praia, na rua o que é público também parece não ser; consciência toma sumiço e juízo de multidão não tem dono: malandro sarra na moça em condução lotada, chafarizes de mijões regam a cidade, falso torcedor sai de casa pra brigar, monumentos são destruídos, fachadas sofrem pichações que distorcem a beleza da cidade e comprometem a arte do povo grafiteiro.
A conta vem depois, quando a gente descobre que o que é público é nosso e é a gente que paga. Na pátria do carnaval e das chuteiras, o futebol nos traz imagens pertinentes: bola murcha, gol contra, impedimento… Ah, e um cartão vermelho para as faltas daqueles que se escondem na multidão.
Como se vê, no trânsito, nas redes virtuais, no meio ambiente, nos encontros das massas etc e tal, estamos meio mal.
…
#SóQueNão.
Nossa conduta não é de todo ruim. Afinal, somos seres inteligentes, sempre capazes de aprender. A última parte do nosso enredo é uma ode às maravilhas que o Conhecimento é capaz de edificar, aos monumentos que são o respeito ao outro e aos códigos coletivos, à convivência harmoniosa de contrários, à ética, à preservação ambiental, à construção de novas realidades por meio do estudo, da leitura, da pesquisa e da inovação.
Albert Einstein, o grande físico, já dizia que “a mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.” É assim que o tema da Educação nos inspira e se funde à ESCOLA de Samba G.R.E.S. Acadêmicos do Grande Rio (com seu saber cultural, afetivo, informal e ancestral, de “tias”, “tios”, “pais” e “mães”, professores nossos do dia-a-dia), deixando um rastro positivo à comunidade de Caxias e aos Pimpolhos da Grande Rio, futuro da arte do samba e da humanidade.
E quem nunca fez uma faxina profunda, animada por aquela batucada estridente que enlouquece a vizinhança? O final do nosso desfile reserva uma “limpeza” geral, “enxaguando” nossos maus hábitos, removendo metafórica e alegremente as “crostas” que nos impedem a uma evolução “nota 10”. Afinal, entendemos que uma das grandes potências do carnaval é a possibilidade de aprendizado através da alegria, do movimento e do encontro dos corpos e da criatividade das mentes – sentido pedagógico este que congrega as diferenças e revitaliza o Ser.
O momento simbólico de aprendizado do nosso enredo não é, evidentemente, a imagem da “lavagem cerebral”, que fomenta a solidão da ignorância, o desmazelo com o meio ambiente, o fundamentalismo de ideias ou qualquer tipo de polarização norteada pelas faltas de gentileza, empatia e compreensão, mas uma purificação que expande a consciência, dá-lhe Saber, lava a alma e eleva o Espírito.
(Antes de terminar, vale lembar: “educação” vem do latim “educare”, que deriva de EX (que significa “fora”), junto a DUCERE (“guiar, instruir, conduzir”). Portanto, educar-se é conduzir-se para fora, sair do isolamento de si e dos próprios (maus) hábitos, ou, se quisermos, é superar os limites de nossa “caverna” escura, alegoria platônica).
Ainda temos jeito – aquele “jeitinho” que brasileiro adora e que também pode ser para o bem. Podemos aprimorar o indivíduo e as relações coletivas e ainda tentar deixar o Planeta da forma como o recebemos: maravilhoso, abundante, generoso e cuidadosamente pensado para nos “darmos bem” por aqui, sobre a Bola!
Refinar a mente, os hábitos e a vida para que sigamos em frente, com harmonia, na linguagem, na comunicação, no dia-a-dia é passo essencial para um final de Enredo feliz, alegre e pleno, aqui e no futuro, que pertencerá aos Bem Educados.
Proposição/argumento: Renato Lage e Márcia Lage
Texto/desenvolvimento: Izak Dahora
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