Neste domingo (17), foi realizada a Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa 2024, que tradicionalmente acontece no 3° domingo do mês de setembro. A 16ª edição foi organizada pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa – CCIR e o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas – CEAP, na Orla da Praia de Copacabana. No decorrer de todo o trajeto, que começou às 10h e seguiu até às 17h, começou no Posto 5 e encerrou no Posto 2, onde reuniu em torno de 100 mil pessoas.
Apesar de um dia muito quente, um mar de religiosos compareceram ao ato, que tiveram o suporte de posto com atendimento de saúde, além de equipes da CEDAE, entregando água para todos, a caminhada foi realizada com festa, tambores, dança, rezas, diversidade e pluralidade étnica e religiosa. Participaram grupos e representantes de diversos locais, oriundos da baixada, Campos, Macaé, Cabo Frio, Niterói e outros estados do país como: Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Segmentos culturais dividiram espaço nos trios para suas apresentações, enquanto representantes religiosos também debatiam sobre a importância pelo respeito e pela liberdade religiosa. Grupos e artistas como Filhos de Gandhy, Mestre Kotoquinho, Folias de Reis, Regional do Biguá, Arca da Montanha Azul, União Cigana do Brasil, Luís Fernando Nery – Assessor da Presidência da Petrobras, Marinete Francisco e Antonio da Silva Neto – pais de Marielle Franco, Bruno Omilu, Tambores Urbanos, Mãe Miriam e Pai Nando, assim como representante da UNIFOA, OAB, da sociedade civil, entidades públicas e privadas, Jokotoye Awolade Bankole, chefe da família real de Onpetu, em Ogbomosho – cidade no Oyo / sudoeste da Nigéria, Babalawô Dayo Awe, Jacques d’Adesky, parlamentares, entre outros, respaldando o evento.
Em deferência a Mãe Bernadete, o Prof. Dr. Babalâwo Ivanir dos Santos. declarou – “Essa caminhada é em memória à luta que ela empreendeu na defesa dos nossos povos”, na data de ontem, completou um mês do brutal assassinato da sacerdotisa do candomblé, da líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, Bahia. E ainda completa o interlocutor da CCIR: “A presença hoje de praticantes de religiões de diferentes crenças, mostra que somos fortes. A igualdade e equidade, partem do princípio de que a humanidade é diversa e plural. No carro de som, a diversidade pautou a programação: houve apresentações de grupos culturais umbandistas, candomblecistas, católicos, evangélicos, entre outros”. E essa máxima sensibilizou a todos.
Imã Ihtsham – Vice-presidente da comunidade muçulmana – “Essa caminhada não é dos religiosos. É uma caminhada em que os religiosos estão caminhando para uma pauta civil, de igualdade. Nós estamos aqui para termos igualdade, para termos liberdade e termos de fato um Estado laico. Quem nos ataca não conhece o que é Estado laico. Antes de tudo a liberdade religiosa é respeitar e ter conhecimento da outra crença”.
A Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, surgiu no ano de 2008, em reação aos episódios de intolerância religiosa que aconteceram no Morro do Dendê. Após diversas manifestações públicas em defesa das liberdades religiosas e dos direitos de cultos pessoais, defensores das diversidades e membros de grupos sociais passaram a se unir e reunir, anualmente, para em prol da tolerância, para juntos, passassem a realizar o maior evento inter-religioso do Brasil. Ao longo dos anos, a Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, atua na promoção da cultura negra como forma de combate ao racismo e à intolerância religiosa. Chamando a atenção da sociedade civil e das autoridades públicas, para os riscos antidemocráticos, diante do crescimento dos casos de intolerância religiosa.
O delegado da Polícia Civil, Henrique Pessoa, explicou o caso. “Nós começamos a trabalhar com a intolerância religiosa depois de alguns casos específicos, na Ilha do Governador, onde o tráfico não estava permitindo que as pessoas praticassem suas crenças. Então a gente teve que entender a demanda desses casos por não ser algo simples”. Segundo Henrique, “o grande avanço que nós conseguimos foram os dados estatísticos em cima da atual lei. Logo, a partir do aumento do discurso de ódio e do fascismo e com o esforço da polícia civil em investigar sobre esses casos, nós conseguimos identificar e abordar as formas de combater o racismo e a intolerância religiosa. A evolução disso tudo é a criação da DECRADI (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), apesar de tudo nós ainda precisamos enfrentar com mais clareza as dificuldades e os descasos que o poder público deixa esquecido, sobretudo em relação aos meios de comunicação que atacam deliberadamente outras religiões e não sofrem nenhuma punição da lei.”
“O trabalho do Ivanir é muito importante, porque a intolerância contra as religiões de matriz africana é apenas uma face. É uma face do racismo. E isso deve ser evidentemente enfrentado. E é muito curioso ver pessoas que se intitulam cristãs pregando ódio, enquanto Cristo pregava amor ao próximo. É muito simbólico ver pessoas de diferentes religiões todas unidas para defender a liberdade religiosa e no fundo a luta contra o racismo”, pontuou Carlos Alberto Medeiros (mestre em sociologia e direito, doutor em história comparada e militante do movimento negro).
O circuito de todo o ato ganhou muitas contribuições, após rezar do alto do trio, o monge João Vieira, representando o Budismo Primordial explicou sua oração. “A importância desse ato inter-religioso é poder mostrar as religiões que muitos não têm acesso. E com informação combatermos o preconceito e a intolerância. Hoje eu mostrei o nosso mantra. A causa, a essência e a semente da iluminação.”
As bases – Esse ano foi lançado o II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, revela uma nefasta política de extermínio e silenciamento. Organizada pelo CEAP e pelo Observatório de Liberdades Religiosas (OLIR), com apoio da Representação da UNESCO no Brasil, lançado em janeiro de 2023, traz dados alarmantes sobre o crescimento do discurso de ódio. Uma média de 3 denúncias de intolerância religiosa por dia em 2022. E nada mudou de lá para cá, e ainda aumentou.
“Obviamente, não temos como dar uma resposta pronta e acabada sobre os casos de violência. Mas podemos pontuar que existe um silenciamento por parte dos órgãos de segurança pública de administração municipal e estadual sobre os fatos, o Brasil não é um país laico”, afirma o Prof. Dr. Babalawô Ivanir dos Santos.
Segundo Clátia Vieira, do Fórum Estadual de Mulheres Negras – “As mulheres que participam no movimento, pela luta contra a intolerância religiosa, e pela violência e ataques que nossas ialorixás sofrem. A nossa história é ancestral e passa pelo ventre das mulheres negras. Daí a importância das mulheres à frente dos nossos terreiros. A nossa resistência, a nossa luta do movimento de mulheres negras, a resistência do povo preto passa muito pelos nossos terreiros e o papel dessas mulheres ao longo da nossa história.”
Infelizmente, ainda surgem novos casos em todo o Brasil. “É muito importante a presença da nossa voz, para a nossa liberdade religiosa e também a nossa liberdade de expressão.”, comentou Mãe Mirian d’Oya.
Lembrando outro caso emblemático: Em 21 de janeiro de 2000, a yalorixá Gildásia dos Santos e Santos, Mãe Gilda de Ogum, sacerdotisa do Ylê Axé Abassá de Ogum, localizado na localização nas imediações da Lagoa do Abaeté, bairro de Itapuã, Salvador (BA), teve infarto fulminante após ver sua fotografia estampada no jornal Folha Universal, associada a uma comprometedora reportagem sobre charlatanismo, sob o título: “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”.
O ponto alto da atividade ficou por conta da participação em cima do trio do Pastor Kleber Lucas, que encantou a todos ao soltar a voz com a música “Deus Cuida De Mim”, além de sacudir o povo com as músicas: “O Que É, o Que É?” de Gonzaguinha e “Maria, Maria” de Milton Nascimento. E teve mais, a potente voz de Marina Iris, embalada pelo samba. Por falar em samba, Marquinhos de Oswaldo Cruz fechou a grade artística, acompanhada de uma legítima musicalidade, tornando mais leve todo o movimento e propósito do ato inter-religioso. Ou seja, a Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa é uma luta em benefício de todos, é um instrumento, uma voz ativa na luta e pela democracia, pelo estado laico e de combate à intolerância religiosa. Evidenciando a necessidade de priorizar o respeito à fé.
-Rozangela Silva-
Assessoria de Imprensa
Foto de Capa: Elana Modena / Henrique Esteves / Ierê Ferreira
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