No Mês da Mulher, Paulo Leme Filho aborda um tema polêmico para alertar sobre os riscos sociais e de saúde pública do consumo de bebidas
A informação de que o alcoolismo feminino vem crescendo no Brasil acontece desde antes da pandemia. E, segundo o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid), até 2030 o número de mulheres dependentes do álcool será igual ao dos homens.
“Talvez o ambiente mais igualitário tenha contribuído para que esses dados viessem a público. Veja, não necessariamente para o consumo em si, mas para o encorajamento de as mulheres encararem seus hábitos sociais e relatarem, em pesquisas, seu consumo de álcool. Daí a descoberta de que o alcoolismo está presente em todas as camadas sociais, não distinguindo gênero”, pondera Paulo Leme Filho. O advogado que há 27 anos é abstêmio e ativista social lembra que 10% da população está sujeita a desenvolver alguma dependência, e que as mulheres estão neste grupo sim. “Só que elas são afetadas pelo vício de uma maneira diferente devido as suas características biológicas. E eu diria que as consequências são ainda mais difíceis para elas que sofrem muito preconceito e estão sujeitas a problemas mais graves de saúde”, analisa Paulo Leme Filho.
Para o advogado que lançou seu quinto livro sobre o tema – O Bonequinho – são várias as abordagens terapêuticas que podem ajudar dependentes e seus familiares e, todas passam por suporte emocional e de saúde mental. “A questão vai além do parar de beber. É preciso aprender a como lidar com os desafios enfrentados todos os dias e com as compulsões que desenvolvemos”, conta Leme Filho.
Ele reconhece que o aumento do consumo de bebida alcoólica entre mulheres jovens é uma tendência preocupante que merece atenção. “Assim como nos muito jovens, a relação entre o consumo de álcool, depressão e ansiedade entre as mulheres é claro. E é essencial abordar esse problema com educação, apoio à saúde mental e políticas responsáveis”, enfatiza.
Efeitos nas mulheres
Os efeitos do alcoolismo no organismo feminino tendem a ser mais fortes do que no masculino. Entre os problemas que podem surgir estão doenças cardíacas, cirrose e hepatite alcoólica. Também há uma chance maior de lapsos de memória e danos cerebrais.
Isso acontece porque a metabolização do álcool é diferente entre as mulheres. Fatores como tamanho menor, proporção de tecido gorduroso, concentração gástrica de desidrogenase alcoólica (enzima que realiza o processo do metabolismo do álcool no organismo) e variações hormonais fazem com que as mulheres fiquem embriagadas mais rapidamente. O médico Dráuzio Varella explica que isso faz com que a metabolização do álcool seja mais lenta nas mulheres e as consequências para a saúde apareçam mais rapidamente.
Doenças associadas
A literatura médica cita que as mulheres alcoolistas têm uma tendência maior a desenvolverem doenças hepáticas, inclusive, o risco de cirrose é três vezes mais elevado.
Duas a três doses de bebida por dia eleva a chance de hipertensão arterial em 40%. Além disso, há uma suscetibilidade maior para o derrame cerebral hemorrágico. Ainda há possibilidade de surgirem miocardiopatias.
Anorexia e bulimia estão presentes em 15% a 32% das que abusam de álcool.
As mulheres que consomem de 2 a 5 drinques diariamente aumentam a chance de desenvolverem câncer de mama em 40%. A cada dose extra, o risco se eleva em 9%.
O álcool gera um efeito inibidor da remodelação óssea e isso contribui para o surgimento da osteoporose. Tanto é que as mulheres com menos de 60 anos e que ingerem de 2 a 6 doses diárias aumentam o risco de fratura de antebraço e colo de fêmur.
Os transtornos mentais também podem surgir como consequência do alcoolismo feminino. Prevalecem neste quadro a depressão, que atinge cerca de 40% das mulheres que abusam do álcool. Além disso, as alcoolistas tentam suicídio quatro vezes mais frequentemente.
“E também existem as consequências psicossociais, que são gravíssimas, e atingem especialmente as relações familiares. Porque nesse ambiente de abuso e dependência aumenta há mais chance de as mulheres sofrerem agressões físicas. Porque a tendência é que os parceiros delas também abusem das bebidas alcoólicas”, explica Paulo Leme Filho.
A ingestão de álcool durante a gravidez pode provocar distúrbios fetais que vão do retardo de desenvolvimento à chamada síndrome alcoólica fetal.
Pesquisas
O último levantamento do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas (Vigitel), plataforma do Ministério da Saúde, mostra que, de 2010 a 2018, o índice de mulheres de 18 a 24 anos que bebem além do recomendado cresceu de 14,9% para 18%. Já na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), as adolescentes que consomem álcool subiram de 55% para 67,4% no período de 7 anos. Na faixa etária dos 35 aos 44 anos, esse índice passou de 10,9% para 14%.
Chama a atenção também o consumo de bebida alcoólica entre mulheres idosas: 11,3% daquelas com idades entre 55 e 65 anos bebe além do recomendado, de acordo com o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Antes deste período, segundo o IBGE, os homens faziam uso abusivo do álcool sete vezes mais do que as mulheres. Atualmente, a prevalência entre os sexos é cada vez mais semelhante. Entre as que bebem, uma em cada quatro mulheres fazem consumo excessivo de bebidas alcoólicas (4 doses), sendo que 2% desenvolve algum grau de dependência.
Sobre o autor
Paulo Leme Filho, 52 anos, é advogado (USP), com MBA em Gestão da Saúde (FGV-SP). Escreveu o primeiro livro com o pai, Paulo de Abreu Leme, em 2015. “A Doença do Alcoolismo” é um relato corajoso de dependentes conseguiram se recuperar, e decidiram dar sua contribuição para ampliar o debate e chamar a atenção para os perigos desta doença silenciosa, sorrateira, da qual nenhuma família pode se considerar imune. Ao livro seguiu-se outra iniciativa: o Movimento Vale a Pena, voltado para a orientação das famílias e que estimula a busca pela recuperação. “O Bonequinho” é o quinto livro de Leme Filho, o advogado que superou o vício, quebrou o preconceito e rompeu o silêncio para se tornar um ativista de causas sociais.
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Foto de Capa: Divulgação / IMED
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