Uma noiva é assassinada a caminho do casamento simplesmente por ser judia. O crime, que era comum na Europa Inquisitória nos séculos passados, também foi cometido em cidades brasileiras onde a herança judaica está fortemente marcada, principalmente no nordeste. A história pouco difundida é contada na peça “Rhupá, a fábula da noiva cadáver”, em montagem da Cia de Artes EM CriAção, contemplada no EDITAL SESC RJ DE CULTURA 2022 , com direção de Alexandra Arakawa.
Inspirada numa fábula judaica — a mesma que serviu de mote ao filme “A noiva cadáver” (2005), de Tim Burton —, a história ganhou versão de César Valentim no texto e na dramaturgia. “Esta é uma parte de nosso passado pouco conhecida. Mesmo em nosso país, houve uma violenta perseguição contra o povo judeu, que se via obrigado a encobrir determinados costumes e práticas. De certa forma, é um assunto contemporâneo. Impossível não fazer um paralelo com os grupos atualmente perseguidos no mundo e, por isso, exilados de suas próprias pátrias e culturas”, reflete o autor, que também está no elenco ao lado de Rita Grego e Eduardo Ibraim.
“Rhupá, a fábula da noiva cadáver” joga luz na trajetória dos marranos, judeus obrigados a se converter ao catolicismo, chamados “critão novos”. Muitos fugiram para o Brasil ou foram enviados de forma forçada no período colonial, ao mesmo tempo em que faz um paralelo com os atuais crimes de violência contra a mulher e os feminicídios. A história acompanha os dramas de uma mulher morta violentamente, vítima de um crime cometido momentos antes de seu casamento. Séculos depois um noivo à caminho de seu casamento faz toda a liturgia e casa-se “por acidente” com a cadáver, e desperta esta noiva cadáver de volta ao “mundo dos vivos”. A ambientação não tem uma localização de tempo ou local, mas faz referências aos costumes e tradições enraizados em nossa cultura, mas que tem herança tipicamente judaica, a montagem expõe – entre reflexões sobre a idealização do amor e eventuais desencontros amorosos – as tensões provocadas pelo empoderamento feminino. O centro de tudo é essa mulher, ela é a fortaleza, como uma árvore centenária.
A proposta da Cia de Artes em CriAção vai um pouco mais fundo na essência real dessa fábula para adultos, traçando um paralelo com as heranças e tradições judaicas na cultura brasileira. “A ideia cênica é baseada no teatro do absurdo e no metateatro, que é a linha de pesquisa da Cia. Em cena a atriz representa o passado e está presa, enraizada em suas histórias e as tradições, os outros personagens estão livres e representam o tempo futuro, visualmente representam questões de gênero fortemente debatidas principalmente dentro das religiões e classes mais conservadoras, eles entram e saem de cena, transitam e dialogam com o público, mas não são livres das tradições”, ressalta Alexandra Arakawa – diretora do espetáculo.
Essa noiva é uma mulher de séculos atrás, que ultrapassa o tempo, a vida e a morte. Nos expõe uma violência brutal que ainda existe nos dias de hoje… os crimes contra mulher, o feminicídio e, inevitavelmente, o machismo e o patriarcado, que calam decisões femininas e os direitos de igualdade. Essa noiva cadáver representa a resistência, a força. Apesar da tragédia, ainda tem romantismo, delicadeza e sutileza no sonho de se casar.
“A personagem central é uma figura feminina enraizada em seus sonhos, sua visão de mundo. Busquei criar uma imagem feminina forte que conduzisse toda a história com uma visão de um humor ácido, que é característico do humor judaico. Ela traz a luz para esses dois personagens que entram em cena, o noivo e o rabino. E com pinceladas de absurdo essa noiva vai conduzindo a história no desenrolar das ações”, explica Valentim.
Seguindo a linha do teatro do absurdo, a cena segue uma proposta em que a realidade mistura-se com a fantasia, o texto permeia a fábula contando uma história real e trágica de forma fantástica, com piadas ao estilo do humor judaico, ácido! O conflito dramático da encenação está entre honrar a liturgia já falada para a noiva cadáver ou seguir as tradições e cumprir o casamento com a noiva prometida. A trilha sonora original de Laura Finocchiaro tem como base as músicas tradicionais judaicas, porém com uma essência nordestina, arranjos fortes e algum peso do rock.
Sinopse
Uma mulher-planta, enraizada, centenária, forte, resistente. O noivo e seu amigo rabin seguem para um casamento arranjado com uma noiva desconhecida, escolhida por suas famílias. Mas, no caminho, o noivo casa-se com uma cadáver. Que caminho devem seguir? Estamos vivos ou mortos?
Sobre a história original
Uma das formas de manter viva as histórias e tradições era por meio das fábulas, que contam acontecimentos reais de forma lúdica ou fantasiosa. Esta fábula para adultos faz referência às mulheres jovens que eram atacadas em suas carruagens e assassinadas no caminho de seus casamentos como forma de impedir a proliferação de judeus na Rússia. A adaptação da fábula nasceu do “Pogrom”, uma palavra russa que significa “causar estragos e destruir violentamente”. Historicamente, o termo refere-se aos violentos ataques físicos da população, em geral contra os judeus, tanto no império russo como em outros países. Os casamentos judeus, muitas vezes, eram arranjados entre as famílias como garantia de preservar as tradições, costume comumente praticado também no nordeste do Brasil entre as famílias da mesma “comunidade”, como forma de preservar as tradições.
O preconceito e a perseguição foram marcas dominantes na vida dos imigrantes “cristãos-novos”. Alguns desses marranos, embora publicamente “convertidos”, continuaram secretamente, mesmo com o risco de captura e morte pela Inquisição, a praticar a fé judaica e seus costumes (criptojudaísmo), que, no Brasil, se confundem com a tradição nordestina, já enraizada e oculta por muitas gerações, principalmente nos estados onde as famílias de cristãos-novos se instalaram.
Por trás da fábula apresentada no espetáculo, existe muita realidade. Além de todo o preconceito religioso e a violência do antissemitismo da época em que aconteceram as imigrações forçadas e fugas, existem a violência contra a mulher e o machismo naturalizado pela sociedade brasileira em geral.
O projeto visa, principalmente, a rediscutir a identidade dos judeus “retornados” e a aceitação deles na sociedade e nas raízes e tradições do povo brasileiro.
Ficha técnica
Elenco: Rita Grego, Eduardo Ibraim e César Valentim
Texto e Dramaturgia: César Valentim
Direção: Alexandra Arakawa
Preparação de Corpo e Atores: Marcelo Tosta
Direção de Arte: Alexandra Arakawa
Confecção do cenário-figurino: Fabíola Arakawa
Visagismo: Louise Marrie
Execução da Maquiagem: Instituto Cohen
Desenho de Luz: Camille Klecz
Trilha Sonora: Laura Finocchiaro e Vicente Falek
Sonoplastia e Apoio Técnico: Java Mayan
Performance na Entrada: Eduardo de Morais
Idealização: Alexandra Arakawa e Louise Marrie
Produção Executiva: Fabíola Arakawa e Rita Grego
Assistente de Produção: Renaide Faria
Fotografia: Mariana Quintão
Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa
Serviço
“Rhupá, a fábula da noiva cadáver”
Local: Multiuso Sesc Copacabana
Endereço: R. Domingos Ferreira, 160 – Copacabana, Rio de Janeiro – RJ
Temporada: de 21 de julho a 7 de agosto (de quinta a domingo) – 4 sessões extras dias 30/07, 31/07, 06/08 e 07/08 – sábados e domingos, às 16h
Roda de Conversa dia 23 de julho – após apresentação
Horário: 18h
Lotação: 36 lugares
Classificação: 14 anos
Duração: 60 minutos
Valores: R$ 7,50 (associado do Sesc), R$ 15 (meia-entrada), R$ 30 (inteira)
-Alessandra Costa-
Assessoria de Imprensa
Rhupá, a fábula da noiva cadáver – Foto de Capa: Mariana Quintão
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